Ações das principais empresas globais de tecnologia devem enfrentar um cenário movimentado em 2022, após o Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, ter indicado que elevará os juros para controlar a inflação.
As empresas de tecnologia têm como característica necessitarem de níveis elevados de investimentos, para ganharem escala e participação de mercado, até atingirem a lucratividade no futuro.
No entanto, com os juros mais altos previstos para os próximos anos em escala global, investidores começaram em meados do ano passado a rever os modelos traçados para o crescimento desses negócios. Essa revisão deve se intensificar nos próximos meses, segundo Ruy Alves, gestor especialista em ações globais da Kinea Investimentos.
Segundo Alves, essa correção começou em novembro do ano passado, “quando o Fed começou a soar mais a favor de um aperto da política monetária [elevar os juros, o que retira moeda de circulação]”.
No acumulado de 2022, até 27 de janeiro, a Bolsa americana Nasdaq, conhecida pela alta concentração de ações de tecnologia, recua quase 15%. Só na terceira semana do mês a desvalorização foi de 7,5%, a maior para o intervalo desde o início da pandemia, em março de 2020.
“Os retornos das ações nos Estados Unidos vão ser menores e mais voláteis neste ano do que foram anteriormente”, afirma o gestor da Kinea, empresa de investimentos controlada pelo Itaú, com cerca de R$ 60 bilhões em ativos sob gestão.
A expectativa que começa a ganhar força e que tem levado à reprecificação em curso das ações é que, com o fim da era de dinheiro fácil se aproximando, as empresas de tecnologia devem ter mais dificuldade de rentabilizar sua operação, acrescenta Gabriela Santos, estrategista de mercados globais do JP Morgan Asset Management.
Segundo ela, para investidores que já tem uma parcela relevante de seus investimentos em papéis do setor de tecnologia, a recomendação é vender uma parte dessas ações.
“A realização de lucros tem sido forte entre as companhias com as ações mais caras, especialmente no setor de tecnologia. É importante que os investidores pensem no preço que estão pagando pelas ações”, afirma Gabriela, que fica baseada em Nova York.
Em seu lugar, diz a especialista, os investidores deveriam priorizar papéis de empresas mais dependentes da conjuntura econômica atual, em setores como bancos, indústria e materiais básicos.
“Faz sentido ter uma reorientação das carteiras do estilo de crescimento representado pelo setor de tecnologia, para o estilo de valor em setores como bancos, indústria, energia, que estão com os descontos mais altos em 20 anos”, diz a estrategista.
“O que funcionou no último ciclo não necessariamente vai ser o que vai funcionar daqui para frente”, observa.
Na mesma linha, Ruy Alves, da Kinea, diz que os fundos multiestratégia da casa, na parcela de renda variável, têm investido neste momento em papéis de empresas mais ligadas ao consumo doméstico, “que ficaram muito baratos”, no lugar de ações globais nos Estados Unidos.
Entre eles, Alves destaca ações na Bolsa brasileira de empresas como Assaí, Hapvida, Vivara e Vamos. Enquanto a Nasdaq recua quase 15% em 2022, o Ibovespa, principal índice de ações da Bolsa brasileira, avança cerca de 7%, até o dia 27.
O gestor da Kinea diz que a instabilidade provocada pelo aperto monetário do Fed vai afetar não apenas ações das big techs americanas, mas também as de empresas brasileiras como os bancos digitais Nubank e Inter e plataformas de ecommerce tais como Magazine Luiza.
“É o tipo de ação que é muito baseada em uma expectativa de crescimento futuro, e não no presente”, afirma o gestor da Kinea.
Gabriela Santos, do JP Morgan Asset, trabalha com um cenário-base de ao menos quatro altas de juros pelo Fed ao longo de 2022, com a taxa de juros americana encerrando o ano dentro de uma faixa entre 1% e 1,25% ao ano.
Ao final do ciclo de alta, que deve se estender até meados de 2024, a taxa de juros nos Estados Unidos deverá ser de, “no mínimo”, 2,5% ao ano, prevê a estrategista.
“No curto prazo a realização de lucros [das ações de tecnologia] pode continuar, porque esse é um ciclo de aperto monetário incerto”, afirma a gestora do JP Morgan Asset, que soma cerca de US$ 2 trilhões (R$ 10,8 trilhões) em ativos sob gestão.
A estrategista diz também que, caso o investidor ainda não tenha papéis do segmento de tecnologia, este pode ser um bom momento para aproveitar a queda recente nos preços para fazer uma compra, com visão de longo prazo.
Alves, da Kinea, afirma que já tem começado a olhar com mais carinho para alguns negócios que parecem estar com descontos excessivos. Ele cita o caso da Netflix e do Twitter. “São papéis que já tiveram quedas da ordem de 50% desde os picos alcançados em meados de 2021, em que já vemos valor emergindo”, diz.
Gestor da Franklin Templeton especializado em tecnologia, Jonathan Curtis reconhece que, com os juros maiores, os investidores devem ficar mais seletivos ao colocarem dinheiro em empresas da nova economia digital.
Mas diz também que, como a utilização das ferramentas oferecidas pelas big techs avançou tremendamente durante os últimos meses de pandemia, as ações dessas companhias, que já apresentam resultados robustos, devem se recuperar de eventuais oscilações com mais facilidade que as de empresas de pequeno e médio porte.
“Não deve haver tanta pressão em cima das maiores empresas, porque elas já são grandes geradoras de caixa e os investidores devem se sentir mais confortáveis em manter essas ações em carteira”, afirma Curtis, que é baseado na Califórnia.
Ele faz menção aos números acima das expectativas de mercado apresentados nesta semana pela Microsoft e pela Apple.
O gestor afirma que, diante de um ambiente de pressão inflacionária persistente nos Estados Unidos, as empresas têm buscado cada vez mais automatizar suas operações ao máximo, de forma a ganhar eficiência e reduzir os custos.
“Vamos ver volatilidade, principalmente entre as menores empresas do setor, mas os fundamentos ainda seguem muito fortes. Não estou preocupado com o aumento dos juros afetando os fundamentos dessas empresas, em um ambiente de inflação alta que leva à busca por uma automação maior por parte das empresas”, afirma Curtis.
O estrategista diz que, na carteira do fundo dedicado ao setor de tecnologia sob sua gestão, ele mantém papéis do Nubank.
“Considero o Nubank uma empresa muito promissora, com forte relacionamento com seus clientes, resolvendo problemas não só no Brasil, mas em toda América Latina, ajudando os clientes a terem acesso a serviços financeiros fundamentais”, diz o gestor da Franklin Templeton, empresa global com cerca de US$ 1,5 trilhão (R$ 8,1 trilhões) em ativos sob gestão.
Por Lucas Bombana, Folha de São Paulo